Nippon... derando

Friday, September 01, 2006

Nureochiba, o refugo industrial

Como naquela piada do malandro que gostava de acordar cedo só para ter mais tempo para não ter que fazer nada, o japonês gosta de trabalhar rápido e rasteiro só para ter mais tempo para fazer kyukei (pausa para descanso). Isso quando trabalha porque, na verdade, o japonês finge que trabalha. Mais ainda quando o shachoo (patrão) está por perto. Se der uma olhada mais acurada naquilo que o japonês faz, percebe-se o quanto ele “mata” o serviço.

Por exemplo, aqui na cozinha do hotel onde trabalho, o cozinheiro corta a cebolinha - que vai no missoshiro(sopa de pasta de soja) - sobre um caixote de madeira imundo virado de boca para baixo num balcão. Mas, quando a filha do patrão está por perto ou aparece na cozinha, ele usa um jornal velho sobre o caixote. Este comportamento higiênico que deveria ser uma constan­te no dia-a-dia de um restaurante, em qualquer lugar - seja no Japão, no Brasil ou na Somália – é normalmente evitado aqui, sempre que possível (e que esforço os japoneses fazem para tornar este possível o mais possivel!).

De outra feita, quando se vai a um toalete de qualquer hotel aqui, a primeira coisa que se observa é a ponta do papel higiênico cuidadosamente dobrada em for­ma triangular, coisa que as maintenance (as mulheres que cuidam da limpeza) costumam fazer para indicar que o sani­tário foi limpo e desinfetado. Na verdade, esta é a unica coisa que elas fazem, pois o vaso continua sujo do mesmo jeito - ou pior que antes. E aquela velha mancha negra de óleo (seria mesmo óleo?) misturada com poeira de asfalto permanece como eu a vi desde o primeiro dia em que comecei a trabalhar aqui (agora está um pouco mais escura e aumentando), embora a faxineira faça a “limpeza” todos os dias.

Isso joga por terra o mito do japonês trabalhador, o que me fez chegar à conclusão de que qualquer pessoa, em qualquer parte do mun­do, é trabalhadora. Desde que esteja fazendo aquilo que gosta, e não aquilo que lhe imposto.

A verdade é que o mito em relação aos japoneses - que antes eram conhecidos como“os guerreiros de empresa”, por serem indivíduos diligentes, conscienciosos e que trabalham arduamente -, está agora se desvanecendo. Tudo porque os japoneses de hoje estão mais conscientes de seu verdadeiro papel dentro da empresa. Qual é este papel? A própria empresa revela-o.

Para a empresa impessoal, empregados que trabalham duro são apenas dentes na engrenagem do mecanismo de sua empresa, a serem substituídos quando estiverem gas­tos. Isto fica mais nítido quando o empregado está em vias de se aposentar. Ape­sar de ter trabalhado arduamente pela empresa, faz-se com que se dê conta do fa­to de que a empresa não mais precisa dele e que ele é um inútil.

Não é de admirar que muitos japoneses estão perdendo a fé em suas empresas. Começam a perceber que sua devoção à empresa é um amor não-correspondido, e passam a mudar de um emprego para outro. Se continua no mesmo, finge que trabalha. Chega de lealdade e virtude! Os aposentados mencionados há pouco merecem um capítulo à parte. Quando um empregado se aposenta, sua vida talvez passe a girar em torno de sua família e da comunidade. A mesma família e a mesma comunidade que ele negligenciou durante os trinta ou quarenta anos de trabalho duro e lealdade à empresa.

Ao se aposentar, o ex-empregado paga caro por ter negligenciado a necessidade de comunicação com sua família e com seus vizinhos, ficando sem saber o que falar com eles. Paga caro por ter se recusado a olhar para qualquer outra coisa que não fosse o tra­balho. Enquanto estava trabalhando, faltava o aspecto humano em sua vida, mas e­le achava que todas as outras coisas viriam automaticamente só porque era o ar­rimo da família. Ao se aposentar, porém, os resultados se invertem. Aqueles trinta ou quarenta anos nos quais ele trabalhou arduamente, supostamente em favor da família, pode produzir resultados contrários.

Fico imaginando como deve ser triste quando, depois de tantos anos de trabalho árduo, ex-arrimos de família são encarados por suas famílias como “refugo industrial”. Pior ainda, são vistos como simples e inúteis nureochiba (folhas caídas molhadas). Esta expressão é usada no Japão para descrever maridos aposentados que nada têm a fazer a não ser matar o tempo com as esposas o dia inteiro. São, assim. comparados a folhas molhadas que se agarram na vassoura e não saem ao serem sacudidas: nada mais do que um incômodo!

Levi F. Araújo

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