Nippon... derando

Monday, September 04, 2006

O sonho destruído (*)

As esperanças do Japão de alcançar as finais da Copa do Mundo de futebol pela primeira vez se esvaíram na última sexta-feira, quando a seleção do Iraque empatou a partida nos últimos segundos de jogo deixando todo mundo mudo e chocado.

Os japoneses tinham que vencer o Iraque para terem certeza de uma colocação no torneio que é disputado a cada quatro anos, e o qual será jogado em nove cidades dos Estados Unidos no ano que vem nos dias 17 de junho a 17 de julho.

Quando o iraquiano Jaffar Omran, que entrou no jogo em substituição a outro jogador, cabeceou a bola no canto superior direito do goleiro japonês Matsunaga, empatando o jogo em Doha, foi como se o som do satélite responsável pela transmissão da partida tivesse sido cortado. No instante em que a bola atingiu a rede, os jogadores do Japão sabiam que o sonho tinha acabado naquele exato momento. O choque visível e a incredulidade estampadas em seus rostos eram prova do sofrimento pelo qual aqueles atletas estavam passando naqueles instantes fatídicos.

Talvez o maior sofredor tenha sido Ramos, um dos jogadores mais combatentes e peça-chave no esquema tático do treinador da Seleção Japonesa. Ramos, brasileiro naturalizado japonês, sabia que essa era a sua última oportunidade de disputar uma Copa do Mundo, pois, em breve irá se aposentar do futebol.

As lágrimas e a prostração emocional foram transportadas para dentro dos lares e bares em todo o país, onde incontáveis fãs tinham se reunido para improvisar as festas de comemoração pela classificação. Peritos e repórteres esportivos de estúdio ficaram de
repente sem nada para comentar, inconscientes pelas imagens contínuas que chegavam como chicotadas de Doha, açoitando os japoneses. Nenhum deles encontra palavras para amaciar o choque.

Na sexta-feira, a nação acordou com um humor amargo de ressaca. Apesar do choque da derrota em Doha, as autoridades do futebol japonês mostraram uma cara corajosa, insistindo que vão continuar com os esforços para tentar conquistar o direito de sediar a Copa do Mundo do ano de 2002.

(*) Texto de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Folha Mundial como editorial do dia 07 de novembro de 1993.
Ora, direis, ver flores... (*)

O desabrochar das flores de cerejeiras (sakura) assinala o fim do rigoroso inverno no Japão, e é ansiosamente aguardado pelos japoneses. Estes, em geral, ficam emociona­dos pela fragilidade e efemeridade das flores, que caem pelo chão poucos dias depois de florescerem. Toda vez que sopra uma leve brisa, uma chuva de pétalas é produzida.

O evento tem servido, já por muito tem­po, de tema para numerosas obras literárias, trabalhos de pinturas e até números musicais e de dança. Os japoneses gostam das flores de cerejeira porque o formato e a cor das pétalas refletem as noções de ideal do povo em relação à pureza e simplicidade.

O povo japonês comemora o florescer das sakura indo a parques e promovendo piqueniques sob as árvores. O hábito de sair de casa com a família e amigos para realizar o hanami (literalmente, “observar flores”) vem desde tempos antigos, quando os poetas se sentavam sob as árvores para compor­ poemas e cantar. No entanto, os hábitos modernos do hanami não são tão refinados como os que se verificava no passado.

Hanami, hoje em dia, é sinônimo de farra. Há aqueles que até realizam uma verdadeira churrascada regada a muito saquê e cerveja, com direito a um barulhento karaoke. O hanami é apenas a desculpa para beber e bagunçar.

Alguns hanamieiros encharcados de álcool se excedem e chegam a tirar a roupa em público, ficando só de cueca enquanto cantam e dançam. Aí a polícia tem de intervir. Como conseqüência dos litros de cerveja ingeridos, não é raro, nessas ocasiões, ver muitos homens fazendo xixi ao pé das árvores sem o menor pudor ou receio de serem vistos pelas mulheres e crianças que estão a sua volta.

Portanto, quando for convidado para uma “hanami paati”, não espere ver alguém examinando cuidadosamente e bem de pertinho a beleza de uma flor desabrochando. Muitos daqueles que o convidarem provavelmente ficarão num estupor etílico tão grande que acabarão por se esparramar num lençol de plástico forrado sobre a grama rodeados de latas vazias de cerveja, garrafas quebradas de saquê e... restos de yakisoba.


(*) Crônica de Levi F. Araújo publicada na coluna Nipponderando do jornal Nova Visão do Japão do dia 12 de abril de 1998.
Ressurge a xenofobia (*)

Mais uma vez, a cidade de Ha­mamatsu, na província de Shizuoka, se transforma em palco para mais um espetáculo xenófobo. O último (?) caso, no qual Ana Bortz entra com processo contra o proprietário da joalheria por ter sido expulsa de sua loja pelo simples fato de ser brasileira, foi manchete desta se­mana em, pelo menos, dois dos "nossos" jornais daqui.

O caso em questão foi destaque na TV e em vários jornais japo­neses, pelo ineditismo como a questão foi tratada. Ana Bortz é a primeira pessoa física, no Japão, a entrar com processo na Justiça contra outra alegando discrimina­ção. Estamos aguardando ansio­samente o desenrolar dos aconte­cimentos com a expectativa de que se faça justiça.

Não há nada que crie, mais rapidamente, um muro de suspeita e intolerância entre o cidadão local e o estrangeiro do que o cego pre­conceito. Mal-entendidos e noções preconcebidas sobre outras nacionalidades, não raro, se baseiam em ficção em vez de em fatos. Os japoneses, em geral, parecem desconhecer o fato que o estreito contato com pessoas de outras culturas é recomendado como o melhor remédio contra o preconceito e a intolerância. Questão de política de boa vizinhança.

No entanto, até mesmo algumas autoridades admitem claramente que seguem uma política de exclusão. Por exemplo, quando o Conselho de Cidadãos de Hama­matsu ergueu o estandarte em defesa do direito dos estrangeiros ao kokumin hoken, o seguro-saúde emitido pela prefeitura, um vereador esbravejou contra: “Se não estão contentes, que tomem o avião de volta para seu país”. Parece que não querem que nos sinta­mos bem aqui, porque querem que voltemos para o lugar de onde viemos.

Os japoneses, de uma forma geral, não que­rem reconhecer que estamos aqui para formarmos novos laços para o futuro, e que estamos enfrentando o doloroso processo de sarar as feridas de nossas raízes cortadas, ao mesmo tempo em que carregamos a imensa tarefa de aprender uma nova língua. Cercados de tais sentimentos alienígenas, não é de admirar que nós, estrangeiros, enfrentemos uma muralha de preconceito da parte de lojistas locais que se sentem ameaçados pelo súbito influxo de estrangeiros.

Por causa da nossa condição de estrangeiros, sofremos muita discriminação no local de trabalho, nos restaurantes, lojas, depatos, escolas e outros locais públicos. Assim, muitos recém­-chegados ao Japão têm de trabalhar sob duras condições em troca de salários baixos. Ainda mais se forem imigrantes em situação ilegal. Tenho dó de muitos iranianos, filipinos e outros que estão nesta situação.

Mas, mesmo nós, brasileiros no Japão, principalmente os não-­descendentes, como eu e a Ana Bortz, que não carregamos os traços físicos orientais que evitariam, em parte, a discriminação imediata, já estamos começando a nos sentir excluídos e esmagados. Apesar disso, a angústia, o ódio, as indignidades e os sofrimentos pessoais resultantes de um ato discrimi­natório, preconceituoso, precisam ser considerados apenas como a vergonha e a desonra de uma chamada sociedade civilizada. Portanto, sigamos o exemplo de Ana Bortz, a única solução para acabarmos com esta vergonha.

(*) Publicado originalmente no jornal International Press do dia 29 de agosto de 1998.
OS SEM-TETO NO JAPÃO

Quem nunca veio ao Japão, com certeza deve fazer aquela imagem de país rico, sem pobres, sem favelas e mendigos andando ou dormindo pelas calçadas. Mas não é bem assim. Aqui mesmo em Ito, cidade turística onde moro, já vi pelo menos uma dúzia de mendigos dormindo nos bancos da estação de trem. Alguns deles já até me pediram dinheiro. Normalmente, estão sempre carregando sacolas e mais sacolas de panos velhos e outras bugigangas, incluindo a inseparável garrafa de saquê barato. Quem são essas pessoas? De onde vieram? Por que estão morando na rua?


De acordo com o governo metropolitano de Tóquio - região onde está localizada a maior comunidade de sem-teto de todo o Japão, com mais de 6.300 indigentes, a maioria acima de 55 anos - essas pessoas são trabalhadores que foram atingidos pela mais dura recessão a baixar sobre o país, a qual, associada ao cordão de escândalos das empreiteiras, provocou grandes cortes no número de empregos. Sem dinheiro para arcar com as despesas do aluguel de um quarto num velho apartamento, mais pessoas estão passando as noites na rua, vivendo em passagens subterrâneas próximas às estações de trens.


O número dos sem-teto tem aumentado rapidamente durante a prolongada recessão econômica. Alguns deles estão exauridos pelo acúmulo de estresse e fadiga. Alguns desenvolvem sérias doenças porque não recebem tratamento adequado quando a doença ainda está nos primeiros estágios.


Eles bebem muito. Mas ninguém é perfeito. Eles bebem para se manter aquecidos no rigoroso inverno japonês, ou fazem isso tentando ser aceitos por outros. A tuberculose e o abuso do alcóol são prevalecentes entre essas pessoas. Por causa da dependência do alcóol, muitos sofrem problemas de fígado e outros se queimam ao se sentar bêbados muito perto das fogueiras que eles acendem para se esquentarem do intenso frio.


Um dos lugares de grande concentração dos sem-teto no Japão é o distrito de Sanya. Lá, mais de 200 deles morreram de hipodermia, cirrose e outras doenças relacionadas à subnutrição e às duras condições de vida, de acordo com um grupo de missionários voluntários que prestam ajuda a estes miseráveis. Só neste ano já morreram 25. O governo metropolitano tem recebido numerosas queixas de proprietários de lojas que pedem para que eles sejam removidos da área.


Os trabalhadores sem-teto no Japão estão freqüentemente deprimidos, e quando chegam a esse ponto, só falam em morrer. A depressão é tamanha que alguns acabam se enforcando nas árvores do parque mais próximo. Em outras palavras, ninguém consegue ajudar, de fato, aqueles que ajudaram, por décadas, o Japão a crescer. Fico me perguntando: será este realmente o preço do progresso e da alta tecnologia?

Levi F. Araújo
Uma nota triste sobre a cidade da música (*)

A cidade de Hamamatsu é a maior na província de Shizuoka. Considerada a cidade da música, é aqui onde pode ser encontrada a maior população de brasileiros. Recentemente foi inaugurado um dos edifícios mais modernos do país, chamado de Act City, onde se concentram diversas lojas de departamentos e shopping centers.

Enquanto, lá dentro, vários cidadãos japoneses saboreiam as deliciosas iguarias oferecidas pelos diversos restaurantes espalhados pelo suntuoso prédio, a pouco menos de cem metros dali, na praça em frente à estação de trem da cidade, um grupo diferente de pessoas, embora também de cidadãos japoneses, es­tão com a barriga roncando e aguar­dam com ansiedade a visita de uma pessoa que irá matar a sua fome, pelo menos naquela noite de sábado. Embora essa pessoa esteja acompa­nhada de várias outras, elas não são, no entanto, o que poderíamos cha­mar de garçons ou garçonetes.

Homens e mulheres maltrapilhos com sorrisos amarelos e mãos esten­didas emergem das marquises, de debaixo das pontes, por detrás das árvo­res ou dos bancos das praças à medi­da que o padre Evaristo Higa, da Pastoral Nipo-Brasileira, e seu gru­po, fazem sua patrulha semanal. Eles são os homeless (sem-teto) esque­cidos de Hamamatsu, para os quais o padre e seus voluntários distribu­em nutritiva sopa de legumes em pratos descartáveis, onigiri (bolinho de arroz enrolado em alga) cuida­dosamente embrulhados em plásti­cos e até bananas. "Este é um lado do Japão que até mesmo os japoneses geralmente desconhecem", diz o padre Higa. "Quando mostro para os meus amigos as fotos destas pes­soas, acham que foram tiradas no Brasil ou outro país qualquer de terceiro mundo."

Os sem-teto japoneses, talvez por uma questão de honra pessoal, ja­mais esmolam pelas ruas ou cha­mam a atenção dos transeuntes. Al­guns, no entanto, reviram os recipi­entes de lixo à procura de comida ou tocos de cigarro. A maioria dos passantes nem percebem a sua exis­tência, a não ser quando se desviam ocasionalmente de uma caixa de papelão inconvenientemente colocada no passeio. Uma vez que não tem endereço fixo, eles não se enquadram no sistema de seguridade social do go­verno.

Mesmo na adversidade, os sem-teto, cujo número é calculado em 300 pesso­as só em Hamamatsu, demonstram um forte senso de ordem tipicamente japo­nesa, apesar das condições de vida precárias. Alguns removem seus sapatos e os alinham na parte de fora da caixa de papelão onde dormem, como se a caixa fosse uma casa de verdade. Os sem-teto detém um grande orgulho. Eles são, geralmente, corteses e até passivos, nunca ameaçadores ou abusivos. Uns, per­cebe-se, sofrem possivelmente de al­gum distúrbio mental, o que os leva a rejeitar a comida oferecida alegando estar envenena­da. Outros agem com certo orgu­lho perverso, desdenhando a oferta. Na ver­dade, eles acham estranho o fato deste tra­balho filantrópi­co estar sendo feito por estran­geiros, no caso os brasileiros voluntários en­cabeçados pelo padre Higa.

A reação da maioria dos ja­poneses a esse trabalho é de surpresa e incompreensão. "A percepção geral é a de que o que estamos fazendo não é uma coisa boa. Os japoneses acham que alimentar estes pobres coitados os dei­xam acomodados, desencorajando-os de sair e procurar emprego", afirma o padre Higa. “Mas os sem-teto já estavam aqui antes de começarmos esse trabalho. Eles não trocaram um emprego por um prato de sopa”, garante.

Talvez por adotarem tal ponto de vista em relação aos sem-teto é que alguns japoneses agem de forma até desumana com eles. O padre Higa conta que alguns lojistas da região, antes de fecharem as portas depois do expediente normal de funcionamen­to, jogam água debaixo das escadas, bancos e qualquer outro lugar onde os sem-teto costumam dormir, numa tentativa de afastá-los para longe de suas lojas.

O trabalho do padre Higa e seus voluntários procura minimizar tais sofrimentos dos desabrigados. Tal trabalho começou há poucos meses, mas já envolve muitos membros da igreja católica de Hamamatsu, inclu­indo Fumiko Kawaguchi, esposa do gerente do Banco do Brasil local, Júlia Sezaki, coordenadora da HICE, fundação que presta ajuda a brasilei­ros e estrangeiros, além do jornalista Ken Shima.

Outras pessoas estão direta ou indiretamente envolvidas na distri­buição de alimentos aos sem-teto, como Stevenson Sato e Marcelo Yo­shimura, do Restaurante Bom Brasil, que emprestaram a cozinha do pró­prio restaurante para que Fumiko e Júlia pudessem cozinhar a sopa e o arroz, e até cedem alguns ingredientes. "Já que não podemos participar diretamente da distribuição, ficamos felizes em poder ajudar dessa forma", diz Stevenson. O padre Higa frisa, contudo: "Não estamos aqui para resolver os proble­mas dos sem-teto. Este é um proble­ma dos japoneses. Simplesmente que­remos mostrar às pessoas desabriga­das que elas ainda não estão esqueci­das, que elas ainda pertencem à família humana”, completa o padre.

(*) Artigo de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Tudo Bem do Japão.

Friday, September 01, 2006

A arte de cultivar alunos-bonsai (*)

Bonsai (árvores anãs) é uma for­ma de arte de cultivo que se desen­volveu no Japão. Consiste em plantar uma árvore em vaso de cerâmica para, através de um processo de cultivo que extrai a força vital da planta, produzir ou acentuar uma elegância natural de forma agradável aos olhos.

Plantas comuns já transformadas em bonsai só podem ser apreciadas por um curto período de tempo mas, normalmente, há árvores bonsai que podem durar por períodos que vari­am de décadas a séculos, ganhando gradualmente características à me­dida em que envelhecem. Métodos especiais de cultivo são usados para se conseguir as formas desejadas.

A essência dessa arte de cultivo consiste em controlar habilmente o crescimento da árvore através de téc­nicas que reprimem o crescimento natural da árvore, a qual é periodica­mente retransplantada, ao mesmo tempo em que suas raízes são poda­das.

Muitos japoneses gostam de cultivar ameixeiras ou pinheiros em forma de bonsai. Se se paras­se para pensar nessa forma de arte, muita gente acharia o culti­vo do bonsai uma coisa detestá­vel. Para conseguir as formas ide­ais, a árvore precisa ser amarra­da com arames e os ramos perio­dicamente podados, numa tortu­ra sem fim. Dá a impressão que a árvore não respira direito, e que é uma pena não deixá-la crescer de forma natural.

Assim, o bonsai nos remete à figura do estudante de 15 anos que confessou ter decapita­do um meni­no em Kobe, além de ma­tar outra me­nina e ferir outros três, todos estu­dantes do primário, no período compreendi­do entre fevereiro e maio últi­mos (1997). Agora que fortes evidências que ligam o suspeito aos crimes foram estabelecidas, a polícia pretende de­terminar o estado men­tal do meni­no à época dos ataques.

Mas, o que o bonsai tem a ver com isso? Acontece que o bonsai lembra nos remete ao sistema educacional nas escolas japonesas. Professores japo­neses normalmente tentam disci­plinar os alunos visando criar um “estudante-padrão” idealizado. As formas dessa disciplina vari­am desde a imposição do corte de cabelo em estilo militar até res­trições quanto ao uso das calças e saias dos uniformes. Se um es­tudante corta ou pinta o cabelo, os professores o punem, com cer­teza.

Cabelo comprido ou tingido, ou mesmo roupas consideradas extravagantes, podem causar impressão do lado de fora da esco­la. Mas obrigar o aluno a obedecer tais regulamentos irá fazer com que ele melhore suas notas ou ficar mais inteligente? As evidências mostram o re­sultado de tais imposições.

Os responsáveis pelo sistema educacional no Japão parecem estar mais preocupados com o padrão de “decência” do que pro­priamente em ensinar. Com isso, acabam produzindo estudantes-bonsai. As árvores bonsai podem até ser mais bonitas do que as de uma floresta de tamanho natural. Mas as primeiras estão ansiosas para espalharem seus ramos e cres­cer. Os estudantes japoneses devem estar se sentindo da mesma forma perante seus professores.

(*) Texto de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Nova Visão do Japão como editorial do dia 10 de agosto de 1997.
Pais confiantes de meninas recatadas (*)

O Japão se transforma com muita rapidez e, da mesma forma, o comportamento das mulheres. Essas mulheres, japonesas na faixa dos 20 anos, estão mudando seu estilo de vida. A maioria é composta de moças comuns, que trabalham ou estudam durante a semana mas que, quando chega na sexta-feira, se transformam completamente, revelando sua verdadeira identidade. Durante a semana, vivem suas vidas conscientes do que outras pessoas pensam a seu respeito.

Por exemplo, uma mulher no Japão nunca usaria a mesma roupa dois dias consecutivos por medo de que outras pessoas possam pensar que ela esteve dormindo fora. Exatamente porque as garotas japonesas se preocupam com o que outras pessoas na sua vizinhança ou na sociedade, como um todo, estão pensando, é que elas não se sentem livres para sair e se relaxarem. Esse modo de enxergar as coisas está mudando radicalmente por parte de muitas mulheres mais, digamos, liberais.

Talvez por terem estado sob pressão durante muitos anos, essas mulheres, quando têm uma oportunidade, se liberam completamente, fugindo das pressões que as rodeiam. São como crianças fugindo dos severos pais.

Os pais, aliás, nem imaginam para onde vão suas filhas à noite. Para eles, as meninas estão fazendo trabalho escolar com outras colegas, ou dormindo inocentemente na casa de alguma amiga, depois do serviço. Para elas, que mal conseguem esperar o fim de semana, não há nada de errado em usar roupas provocantes, maquiagem supercarregada e cair na farra em qualquer balada bem discreta. Nesse festival exibicionista, marcado pelo hedonismo, o que vale mesmo é a fuga da realidade. Depois de uma noitada, “com a cabeça e o corpo bem leves”, partem para outras aventuras na companhia de namorados que arranjaram ali mesmo, na balada. Na volta para casa, escondem dos pais e dos irmãos a roupa usada para dançar e farrear, e só as lavam quando não há ninguém em casa.

Na segunda-feira começa tudo outra vez. No instante em que entram na escola ou no escritório, elas se tornam pessoas diferentes, recatadas e tímidas.Nessas ocasiões, as esfuziantes e provocantes japonesas de algumas horas atrás, que requebravam o corpo e meneavam a cabeça ao som de delirante música techno, parecem tão inocentes e ingênuas que dão a impressão de que quebrariam se alguém as tocasse. São como bonecas, que mudam de expressão por se apertar um botão.

(*) Crônica de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Folha Mundial do Japão em 24 de outubro de 1993
A vida sem estrelas dos dekasseguis de hotel (*)

A maioria dos hotéis no Japão faz imprimir folhetos de propa­ganda turística de seus estabelecimentos. Ao ver um desses fo­lhetos, o eventual turista jamais poderia imaginar o que está por trás de cada ítem de conforto apregoado, e quantas horas de sono, descanso e lazer são tiradas da vida de cada funcionário do hotel em questão.

Com o incremento da indús­tria do turismo, logo após o ad­vento da bolha econômica, quan­do o Japão começou a experi­mentar um enorme crescimento, os hotéis começaram a proliferar no país. E não pararam mais.

No entanto, a expansão e exploração desse filão do mercado no Japão esbarra no maior problema que todas as demais indústrias japonesas enfrentam, ou pelo menos enfrentavam até há bem pouco tempo: a carência de mão de obra, ou pessoal suficiente para trabalhar na área. O problema foi contornado, em boa parte, com a admissão de estrangeiros, principalmente brasileiros, contratados diretamente no país de origem por terceiros que obrigavam o candidato à vaga a assinar às pressas um contrato sem pelo menos conhecer o local de trabalho.

Hoje, com o estouro da bolha financeira, a recessão econômica ainda no fundo do poço e as conseqüentes demis­sões em massa na indústria automotiva (a que mais contrata mão-de-obra no país), a melhor opção de trabalho para os dekasse­guis são os hotéis. Não que o serviço seja qualificado ou o sa­lário por hora seja elevado (a média é de ¥1.000 para homens e ¥800 para mulheres, e geralmen­te sem os 25% adicionais de hora extra, como manda a lei). Mas é a única área que ainda oferece muitas horas de trabalho diário, mesmo que o funcionário não queira ou não possa trabalhar tan­to quanto é requisitado.

Até 20 horas por dia
O maior in­conveniente en­contrado neste tipo de serviço é quando se des­cobre que os tur­nos de trabalho do dia e da noite são feitos pelas mesmas pessoas, ou seja, o funcionário fica à disposição do hotel praticamente 24 horas por dia, sete dias por semana, 30 dias por mês.

O serviço começa, geralmente, às sete horas da manhã com o desfazer das camas. Como se sabe, os japoneses, salvo raras exceções, não dormem em camas, mesmo em hotéis. Todos os dias à noite são estendidos no chão colchonetes dobráveis, os quais são recolhidos de manhã e guardados em armários embutidos. Assim, um cômodo da casa ou quarto de hotel é, ao mesmo tempo, sala – durante o dia – e quarto durante à noite. Questão de economia de espaço.

Pois bem, assim que o relógio bate 7 horas da manhã, os funcionários saem pelos corredores dos hotéis batendo nas portas dos quartos para acordar os hóspedes e executar o futon-age (o dobrar dos colchonetes e cobertores para guardá-nos armário). Depois do futon-age, é hora do sooji, isto é, a limpeza dos quartos, banheiros e corredores, parando-se ao meio-dia para almoçar.

O trabalho recomeça à uma da tarde para terminar o sooji e preparar as mesas para o jantar. Dependendo da quantidade de hóspedes, não há tempo para descansar entre um turno e outro, que começa às 6 da noite com o a preparação das camas (futon-shiki), quando se retiram os colchonetes e os cobertores (futon) que foram guardados de manhã no armário para serem estendidos novamente. Tal preparação deve ser feita, no máximo, até às 9 da noite, quando os hóspedes já jantaram e voltam aos seus respectivos quartos.

Depois do futon-shiki, é hora de recolher as louças do jantar (gezen) que são levadas para serem lavadas (araiba). Dependendo do número de pessoas que estejam trabalhando num dia de muitos hóspedes, o serviço nunca acaba antes das 3 da madrugada, quando os funcionários voltam ao alojamento (geralmente de bicicleta e no frio) para dormir duas ou três horas antes de começar tudo de novo. No mesmo dia, às 7 da manhã.

Trabalhadores zumbis
Alguns funcionários perdem completamente a noção de tempo e não sabem dizer o dia ou o mês em que estão. A partir do primeiro mês de trabalho, o cansa­ço começa a tomar conta do corpo in­teiro. No terceiro, o serviço passa a ser feito de forma um tanto mecâni­ca e, antes de com­pletar um ano tra­balhando no mesmo rítmo, sem folgas ou descanso por falta de pessoal, o funcionário de hotel já se transformou num zumbi, de tanto sono e cansaço.

Mas, por que ele continua, mesmo depois de ver alguns de seus companheiros (principalmente mulheres) desmaiarem durante o serviço, vitimas de estafa, a ponto de precisarem ser levados às pressas para o hospital para serem internados? A resposta é simples: porque no hotel ele tem mais chance de ganhar muito mais por mês que qualquer outro dekassegui em outra área.

Um tributo caro
De qualquer forma, não há escolha. Mesmo que prefira ganhar menos, não há trabalho para todos nas fábricas ou em qualquer outro lugar onde haja apenas um turno. Enquanto isso, o dekassegui de hotel vai ganhando dinheiro e perdendo a saúde de forma gradativa. Muitos reclamam de úlcera estomacal, geralmente surgida da necessidade de fazer refeições às pressas, quando comem comida de baixo teor nutritivo comprada nos 7-Eleven da vida. Fazem isso por não terem se acostumado com a comida servida no refeitório do hotel em que trabalham.

São freqüentes também as queixas de dores de cabeça, dores musculares, tensão nervosa, estresse, fadiga, perda de memória etc. Mas o tributo maior a ser colhido por aqueles que desconsideram os sinais de aviso do corpo por trabalharem muitas horas por dia sem descansar, com o objetivo único de ganhar muito dinheiro em tempo recorde, só será conhecido mais tarde, quando percebem as conseqüências que virão na forma de males físicos ainda latentes. Só então descobrirão que o fruto do seu trabalho árduo foi em vão, ao ver seu suado dinheirinho escapar por entre os dedos e indo direto para o bolso dos médicos responsáveis pelo seu futuro tratamento. Será, então, como se tivessem feito uma "corrida contra o vento".

(*) Reportagem de Levi F. Araújo publicada originalmente no jornal Tudo Bem do Japão na edição de 03/12/1994
Brasileiros estão descobrindo o sunako (*)

Depois de uma semana de traba­lho árduo, nada mais justo que um merecido descanso, o chamado "re­pouso do guerreiro", acompanhado de um pouco de lazer. E, quando se fala em lazer para brasileiros no Ja­pão, muita gente está associando as atividades noturnas dos sunako com muitos brasileiros ávidos por sexo e companhia feminina.

A palavra sunako vem da ex­pressão inglesa snack, que quer di­zer lanche. São muito comuns nos Estados Unidos os snack bars, ou lanchonetes, onde se pode degustar diversos tipos de lanches e até bebericar uma cervejinha. Os japoneses emprestaram o ter­mo dos americanos e fizeram algu­mas adaptações, tanto na forma de atendimento em tais estabelecimen­tos, como na decoração do ambien­te. Assim, o interior de um sunako normalmente é pouco iluminado, facilitando algumas intimidades en­tre clientes e acompanhantes. Com algumas mesas dispostas de forma estratégica, rodeadas de confortá­veis poltronas ou sofás, o ambiente não deixa de ser acolhedor.

O objetivo é criar uma atmosfera alegre, descontraída, aconchegante, mesclada com uma pitada de intimi­dade, na tentativa de vencer a concorrência acirrada, ao mesmo tempo em que se procura “segurar” os clientes habituais, que quase todos os dias deixam uma parcela do seu salário mensal nesse tipo de estabele­cimento.

Os brasileiros no Japão estão per­cebendo no sunako uma solução para a sua solidão, o fim da sua abstinên­cia sexual. Mas, como não poderia deixar de ser, tal solução tem seu preço, literalmente falando. Assim, muitos que trabalham duro durante um mês para ganhar ¥300 mil, por exemplo, estão deixando o salário em apenas duas ou três visitas aos sunakos da região onde moram.

Os gerentes de tais estabeleci­mentos, com um olho na crise e outro no mais novo filão que se abre, estão escancarando as portas para os brasileiros, trabalhadores reconhe­cidamente os mais bem pagos do país e com fama de gastadores con­tumazes.

Não é preciso dizer que tudo o que se consome em um sunako é bem mais caro, ou até mais que o dobro, daquilo que se paga nos esta­belecimentos convencionais. Assim, uma cerveja de 500 ml pode custar de ¥600 a ¥800, enquanto num su­permercado não custa mais que ¥330.

Diferente dos snack bars dos Estados Unidos, onde o cliente normalmente pede uísque em doses, nos sunakos japoneses o uísque é servido por garrafa, em cujo gargalo vem pendu­rada uma plaquinha com um nome pelo qual o cliente é conhecido no estabelecimento. Tal regalia não sai­rá por menos de ¥5.000. Assim, o cliente que se senta a uma mesa é logo rodeado de mulheres que o encorajam a beber, pois a fonte maior de lucro dos sunakos está no consumo de bebida por parte dos clientes.

Por que esses estabelecimentos são tão freqüentados, apesar dos pre­ços extorsivos? Uma explicação básica tem muito a ver com a índole vaidosa do ser humano. O sunako é aquele lugar onde qualquer homem com algum dinheiro no bolso se sente um rei, tendo ao seu lado várias acompa­nhantes que são ensinadas a servi-lo com certa submissão, a diverti-lo, a ouvir atentamente suas lamúrias, a aturá-lo quando fica bêbado, e a fazê-lo sentir-se como se ele fosse realmente muito importante - nem que seja apenas por algumas horas.

Dependendo do cliente, de quan­to ele costuma gastar ou da assidui­dade ao estabelecimento, há até al­gumas regalias a mais, chegando a ser levado de táxi para casa com direito a acompanhante. Mesmo porque, a essa altura do campeonato, ele está tão bêbado que não consegue andar dois passos sem voltar três. Dirigir, então, nem pensar!

Mas que não se iludam os marinheiros de primeira viagem. Quem pensa em ir a um sunako e “arrastar” uma das meninas logo na sua primeira visita, pode ir tirando o cavalinho da chuva. O conselho é de Fábio Eduardo Matsuda, 22, considerado um “piolho” de sunako, apesar da pouca idade. “Se a intenção for claramente esta, a de sair de sair com uma das meninas do sunako, o cliente terá que freqüentar a casa pelo menos três vezes antes de sua acompanhante preferida receber o sinal verde da mama para sair com ele”, orienta Fábio com certo, digamos, conhecimento de causa.

A “mama” a que Fábio se refere é, no caso, uma mulher, geralmente mais velha que as acompanhantes, responsável pelo estabelecimento e pelas meninas. Assim, nas três visitas que fizer ao sunako, o cliente terá que desembolsar pelo menos ¥100 mil em bebidas e salgadinhos antes de ser “notado” pela “mama”. Portanto, só mesmo quando estiver familiarizado com o pessoal da casa é que terá condições de se aproximar de uma das meninas para dar a “cantada final”, arremata Fábio.

Fábio sabe do que está falando, pois freqüenta vários sunakos espalhados na província de Gifu. Em todos ele é conhecido pelo seu segundo nome, Eduardo, por essa forma se aproximar mais do inglês, “Edward”. Sua popularidade é tanta entre as meninas que ele até tem crédito nas casas que freqüenta. “Mesmo quando não tenho dinheiro, não deixo de vir, pois a mama sabe que eu sempre volto para pagar quando fico devendo”, afirma, orgulhoso.

Outro amigo de Fábio, conhecido por Nelsinho, mais velho que ele (39), é do tipo mineiro, aquele que “sorve um prato de sopa bem quente pelas beiradas”. Quando Nelsinho começa a freqüentar um sunako, suas primeiras visitas visam apenas estudar os diversos tipos de meninas que atuam no estabelecimento, para depois escolher aquela que irá “arrastar” para casa. “Não gosto de mulheres extravagantes, aquelas que se abrem à toa para os clientes. Prefiro as mais recatadas”, confessa.

Os sunakos cumprem, reconhecidamente, uma função social importante na vida de muitos aqui no Japão, sejam estrangeiros ou japoneses. Hoje, as visitas quase diárias a um sunako preferido faz parte principalmente da vida de milhões de sararimen, os trabalhadores engravatados de escritório que, após o expediente normal de trabalho, dão uma esticadinha até tais estabelecimentos antes de voltar para casa.

A finalidade dessas visitas é a confraternização entre colegas de trabalho, a busca do alívio das tensões acumuladas durante o dia e uma oportunidade para reforçar aquela péssima imagem que todos têm do chefe em comum. Para atingirem esse objetivo, os japoneses se encharcam de cerveja e uísque, o que proporcionam a eles coragem suficiente para falar mal do chefe e até bolinarem as companion, as mulheres especialmente contratadas para servirem bebidas e divertir os clientes.

Como não poderia deixar de ser, o brasileiro, de uma forma geral, tem outra visão desse tipo de entretenimento. Assim, a conotação sexual associada ao sunako é inevitável, devido à forma um tanto íntima pela qual as mulheres atendem os clientes em tais estabelecimentos.

Naturalmente que há várias classes de sunako, desde os mais simples, nos quais os clientes são servidos num balcão por mulheres que estão do outro lado, e nas quais não pode tocar, até aqueles onde as atendentes são estrangeiras, mais liberais, e que sentam no colo dos clientes e até topam fazer programas depois do expediente.

É exatamente esse último tipo de sunako para onde estão afluindo os solitários brasileiros, sedentos de sexo ou buscando apenas companhia nas suas horas de folga, mas envoltos em barreiras (principalmente as da língua – a maioria não fala japonês, muito menos o inglês) que os impedem de aprofundar num relacionamento com pessoas do sexo oposto, sejam elas japonesas, americanas, filipinas ou de outras nacionalidades das que proliferam aqui no Japão. Posso afirmar, com certeza, que foram tais barreiras que levaram o brasileiro Maeda a matar uma japonesa quando ela se encontrava dormindo casa.

(*) Reportagem de Levi F. Araújo publicada originalmente no jornal Nova Visão do Japão de 24 de agosto de 1997.
Um país seguro? (*)

Dia 20 último completaram-se três anos do ataque com gás sarin no sistema de metrô de Tóquio, que matou 11 pesso­as e provocou a internação de centenas outras com problemas respiratórios. O ataque em si provocou uma onda de terror e ira em toda a nação. Descobriu­-se mais tarde que o crime foi perpetrado por religiosos fanáticos da seita chamada de Aum Shinrikyo com o objetivo único de cau­sar terror e confusão na sociedade japo­nesa.

O ataque com gás sarin foi um marco na história do Japão. Até então, os japoneses, em geral, viam seu país como um lugar seguro de se viver. O incidente é, até hoje, uma pedra no sapato da polícia japonesa, que por muito tempo se orgulhava da excelente segurança da nação. Tal mito da segurança foi destruído pelo ataque. As pessoas hoje têm apenas um vago senso de incerteza.

No caso específico do ataque com gás sarin, muitos se perguntam por que tal crime foi perpetrado. A estagnação econômica, a instabilidade política e a confusão nos valores sociais são algumas das causas sublinhadas do terrorismo. O indiscriminado ataque bem no meio de uma das maiores capitais do mundo indica que a sociedade japonesa, orgulhosa de sua segurança, está mudando gradualmente.

Quando vim para o Japão, as compara­ções com o Brasil em relação à segurança foram inevitáveis. Depois do ataque com gás sarin, minha cabeça está martelando o real significado da palavra “segurança”. Afinal, o que é um país seguro de verdade? Será que a segurança se reflete apenas no número de armas de fogo ou de criminosos, à frequência do crime violento, ou talvez à por­centagem de produtos que ingerimos e que provocam câncer? À rapidez dos esforços da Defesa Civil de resgatar-nos em caso de desastres naturais? À freqüência pela qual aconte­cem esses mesmos desastres? À garantia dos direitos humanos básicos, como a busca da felicidade, à igualdade de oportunidades e o direito de votar?

Depois do terremoto de Kobe e do episó­dio com gás sarin, o mito “o Japão é um país seguro” não soa tão confortável assim. Encarar a realidade pode mostrar ser mais compensador, principalmente depois que descermos do avião no aeroporto de Guarulhos, ao fazermos o caminho de volta.

(*) Crônica de Levi F. Araújo publicada originalmente na coluna Nipponderando do jornal Nova Visão do Japão do dia 29 de março de 1998.
Rituais femininos de conquista (*)

Nas cidades japonesas, onde há concentração de brasileiros, não é difícil distinguir, pela indumentária, uma mulher brasileira de uma japonesa, enquanto se caminha pelas ruas. Quase todas as mulheres brasilei­ras - jovens ou não - estão usando deselegantemente o famigerado trinômio jeans-tênis-camiseta.

Ao contrário da maioria das brasileiras, as japone­sas estão, salvo exceções, sempre bem vestidas, com esmero e estilo, mesmo em dias de semana e nas horas de maior movimento nas ruas. É uma visão agradável que contrasta nitidamente com a forma um tanto uniforme e esportiva pela qual as brasileiras se vestem.

De uma forma geral, as japonesas não têm muitas ocasiões para se vestirem bem. Ao que me consta, casamentos e funerais são os dois únicos acontecimentos que propiciam o mulherio se "produzir". Como aqui não existe aquele costume de convidar e ser convidado para jantar ou almoçar na casa de amigos, não há muita chance de usar roupas elegantes. Existem, claro, as festas do tipo bonnenkai e shinenkai. Mas como essas acontecem logo depois de expediente do trabalho, não há oportunidade de se trocar de roupa.

As mulheres japonesas compram um montão de roupas elegantes. E elas se vestem para ir trabalhar da mesma forma que uma brasileira veste uma “domingueira" para ir a uma festa ou jantar formal. Assim, o trabalho de escritório provê a oportunidade para as mulheres japonesas se enfeitarem. Diferente das brasileiras, que vão trabalhar de jeans, mesmo no Brasil.Enquanto no Japão a mulherada calça sapatos altos para ir trabalhar e troca os sapatos por confortá­veis chinelos ao chegar no escritório, as brasileiras fazem exatamente o contrário: calçam tênis para ir trabalhar e os trocam por sapatos mais elegantes no local de trabalho. As mulheres japonesas talvez ima­ginam que as chances de fisgar alguém durante o percurso até o trabalho são maiores que no escritório.

Mas já ouvi dizer que as japonesas se vestem bem para impressionar outras mulheres, e não homens. Isto também é diferente das brasileiras, que se vestem bem para atrair o sexo oposto. Mesmo que elas não estejam "no mercado" à procura de um namorado ou marido.

O auto-embelezamento tupiniquim - tanto o masculino como o feminino - é uma face dos intrínsecos rituais sociais e de conquista no cam­po amoroso. Nesta área, o Japão perde feio para o Brasil ou outros países, a julgar pelo número ainda grande de omiai - os casamentos arranja­dos - que ainda acontecem mesmo nos dias de hoje.

Assim, vestir-se elegantemente aqui não parece ter o propósito único de atrair o sexo oposto, mas sim o de mostrar status, condição social ou profissional. Para tal propósito, fazem uso de roupas e itens de marcas famosas que podem ser facilmente avaliados devido ao seu valor monetário. Porém, posso estar errado. Na natureza, por exemplo, a maioria dos insetos, aves e animais exibem cores vibrantes para atrair o seu par. E os seres humanos, afinal de contas, são parte da natureza.

(*) Crônica de Levi F. Araújo publicada na coluna Nipponderando do jornal Nova Visão do Japão
Nureochiba, o refugo industrial

Como naquela piada do malandro que gostava de acordar cedo só para ter mais tempo para não ter que fazer nada, o japonês gosta de trabalhar rápido e rasteiro só para ter mais tempo para fazer kyukei (pausa para descanso). Isso quando trabalha porque, na verdade, o japonês finge que trabalha. Mais ainda quando o shachoo (patrão) está por perto. Se der uma olhada mais acurada naquilo que o japonês faz, percebe-se o quanto ele “mata” o serviço.

Por exemplo, aqui na cozinha do hotel onde trabalho, o cozinheiro corta a cebolinha - que vai no missoshiro(sopa de pasta de soja) - sobre um caixote de madeira imundo virado de boca para baixo num balcão. Mas, quando a filha do patrão está por perto ou aparece na cozinha, ele usa um jornal velho sobre o caixote. Este comportamento higiênico que deveria ser uma constan­te no dia-a-dia de um restaurante, em qualquer lugar - seja no Japão, no Brasil ou na Somália – é normalmente evitado aqui, sempre que possível (e que esforço os japoneses fazem para tornar este possível o mais possivel!).

De outra feita, quando se vai a um toalete de qualquer hotel aqui, a primeira coisa que se observa é a ponta do papel higiênico cuidadosamente dobrada em for­ma triangular, coisa que as maintenance (as mulheres que cuidam da limpeza) costumam fazer para indicar que o sani­tário foi limpo e desinfetado. Na verdade, esta é a unica coisa que elas fazem, pois o vaso continua sujo do mesmo jeito - ou pior que antes. E aquela velha mancha negra de óleo (seria mesmo óleo?) misturada com poeira de asfalto permanece como eu a vi desde o primeiro dia em que comecei a trabalhar aqui (agora está um pouco mais escura e aumentando), embora a faxineira faça a “limpeza” todos os dias.

Isso joga por terra o mito do japonês trabalhador, o que me fez chegar à conclusão de que qualquer pessoa, em qualquer parte do mun­do, é trabalhadora. Desde que esteja fazendo aquilo que gosta, e não aquilo que lhe imposto.

A verdade é que o mito em relação aos japoneses - que antes eram conhecidos como“os guerreiros de empresa”, por serem indivíduos diligentes, conscienciosos e que trabalham arduamente -, está agora se desvanecendo. Tudo porque os japoneses de hoje estão mais conscientes de seu verdadeiro papel dentro da empresa. Qual é este papel? A própria empresa revela-o.

Para a empresa impessoal, empregados que trabalham duro são apenas dentes na engrenagem do mecanismo de sua empresa, a serem substituídos quando estiverem gas­tos. Isto fica mais nítido quando o empregado está em vias de se aposentar. Ape­sar de ter trabalhado arduamente pela empresa, faz-se com que se dê conta do fa­to de que a empresa não mais precisa dele e que ele é um inútil.

Não é de admirar que muitos japoneses estão perdendo a fé em suas empresas. Começam a perceber que sua devoção à empresa é um amor não-correspondido, e passam a mudar de um emprego para outro. Se continua no mesmo, finge que trabalha. Chega de lealdade e virtude! Os aposentados mencionados há pouco merecem um capítulo à parte. Quando um empregado se aposenta, sua vida talvez passe a girar em torno de sua família e da comunidade. A mesma família e a mesma comunidade que ele negligenciou durante os trinta ou quarenta anos de trabalho duro e lealdade à empresa.

Ao se aposentar, o ex-empregado paga caro por ter negligenciado a necessidade de comunicação com sua família e com seus vizinhos, ficando sem saber o que falar com eles. Paga caro por ter se recusado a olhar para qualquer outra coisa que não fosse o tra­balho. Enquanto estava trabalhando, faltava o aspecto humano em sua vida, mas e­le achava que todas as outras coisas viriam automaticamente só porque era o ar­rimo da família. Ao se aposentar, porém, os resultados se invertem. Aqueles trinta ou quarenta anos nos quais ele trabalhou arduamente, supostamente em favor da família, pode produzir resultados contrários.

Fico imaginando como deve ser triste quando, depois de tantos anos de trabalho árduo, ex-arrimos de família são encarados por suas famílias como “refugo industrial”. Pior ainda, são vistos como simples e inúteis nureochiba (folhas caídas molhadas). Esta expressão é usada no Japão para descrever maridos aposentados que nada têm a fazer a não ser matar o tempo com as esposas o dia inteiro. São, assim. comparados a folhas molhadas que se agarram na vassoura e não saem ao serem sacudidas: nada mais do que um incômodo!

Levi F. Araújo

Wednesday, August 30, 2006

Kafunsho, “festival” de primavera (*)

Em certas épocas do ano parece que metade da população no Japão está usando aquelas mascarazinhas brancas, fazendo com que muitos brasileiros pensem estar dentro de um enorme hospital. Especialmente ness­a época, início de primavera, muitas pesso­as usam máscaras para evitarem alergias por inalarem pólen de cedro, árvore muito co­mum por aqui.

Os japoneses são tão susce­tíveis a esse tipo de alergia que, num escri­tório de uma empresa média, não é raro assistir a um verdadeiro festival de espirros, coriza descendo pelo nariz e olhos avermelhados lacrimejantes.Na televisão e nos jornais, muitos médi­cos nos dizem como prevenir e tratar tais sintomas mas, no entanto, não existe nenhum método satisfàtório para prevenir e tratar completamente este tipo de alergia, chamada aqui de kafunsho.

Assim que chega a primavera e os cedros iniciam a produção de pólen, a maioria dos ­japoneses não tem como escapar de uma de um visitinha ao médico que irá entupir-lhes de pozinhos e comprimidos para aliviar os sintomas até a estação terminar por volta do fim do mês de abril.Esse é um grande problema para os japoneses e para o governo. Calculo que um em cada grupo de cinco japoneses sofre de alergia oriunda do pólen de cedro por mais de dois meses. Isto significa uma quantia e enorme de dinheiro gasta pelo Seguro de Saúde Nacional (o equivalente ao nosso INSS).

Na minha opinião, o povo deveria pro­testar junto ao governo para enfrentar melhor esse problema. Afinal, trata-se de um tipo de poluição do ar.Naturalmente que as árvores são úteis na nossa vida, e seria impossível um pedido para que se corte todas as árvores de cedro de uma só vez. Mas algumas soluções devem ser encontradas o mais breve possível. Por exemplo, novas espécies de árvores ­que não causem alergias deveriam ser desenvolvidas.

Lembro-me de ter lido a respeito de um estudo no qual se usava certos químicos que regulavam o cresci­mento de plantas com o objetivo de inibir o florescimento dos cedros e sua conseqüente emissão de pólen. Outro es­tudo nos diz que os raios ultravioleta são úteis para inibir os sintomas de alergias provocadas por pólen de cedros. Espero que possam ser práticos no futuro próximo.Os japoneses são sempre muito pacien­tes. Mas acho que contrair alergia através de pólen de flores não deveria ser considerado um “festival de primavera”.

(*) Crônica de Levi F. Araújo publicada originalmente na coluna Nipponderando do jornal Nova Visão do dia 05 de abril de 1998.