Nippon... derando

Friday, September 01, 2006

A arte de cultivar alunos-bonsai (*)

Bonsai (árvores anãs) é uma for­ma de arte de cultivo que se desen­volveu no Japão. Consiste em plantar uma árvore em vaso de cerâmica para, através de um processo de cultivo que extrai a força vital da planta, produzir ou acentuar uma elegância natural de forma agradável aos olhos.

Plantas comuns já transformadas em bonsai só podem ser apreciadas por um curto período de tempo mas, normalmente, há árvores bonsai que podem durar por períodos que vari­am de décadas a séculos, ganhando gradualmente características à me­dida em que envelhecem. Métodos especiais de cultivo são usados para se conseguir as formas desejadas.

A essência dessa arte de cultivo consiste em controlar habilmente o crescimento da árvore através de téc­nicas que reprimem o crescimento natural da árvore, a qual é periodica­mente retransplantada, ao mesmo tempo em que suas raízes são poda­das.

Muitos japoneses gostam de cultivar ameixeiras ou pinheiros em forma de bonsai. Se se paras­se para pensar nessa forma de arte, muita gente acharia o culti­vo do bonsai uma coisa detestá­vel. Para conseguir as formas ide­ais, a árvore precisa ser amarra­da com arames e os ramos perio­dicamente podados, numa tortu­ra sem fim. Dá a impressão que a árvore não respira direito, e que é uma pena não deixá-la crescer de forma natural.

Assim, o bonsai nos remete à figura do estudante de 15 anos que confessou ter decapita­do um meni­no em Kobe, além de ma­tar outra me­nina e ferir outros três, todos estu­dantes do primário, no período compreendi­do entre fevereiro e maio últi­mos (1997). Agora que fortes evidências que ligam o suspeito aos crimes foram estabelecidas, a polícia pretende de­terminar o estado men­tal do meni­no à época dos ataques.

Mas, o que o bonsai tem a ver com isso? Acontece que o bonsai lembra nos remete ao sistema educacional nas escolas japonesas. Professores japo­neses normalmente tentam disci­plinar os alunos visando criar um “estudante-padrão” idealizado. As formas dessa disciplina vari­am desde a imposição do corte de cabelo em estilo militar até res­trições quanto ao uso das calças e saias dos uniformes. Se um es­tudante corta ou pinta o cabelo, os professores o punem, com cer­teza.

Cabelo comprido ou tingido, ou mesmo roupas consideradas extravagantes, podem causar impressão do lado de fora da esco­la. Mas obrigar o aluno a obedecer tais regulamentos irá fazer com que ele melhore suas notas ou ficar mais inteligente? As evidências mostram o re­sultado de tais imposições.

Os responsáveis pelo sistema educacional no Japão parecem estar mais preocupados com o padrão de “decência” do que pro­priamente em ensinar. Com isso, acabam produzindo estudantes-bonsai. As árvores bonsai podem até ser mais bonitas do que as de uma floresta de tamanho natural. Mas as primeiras estão ansiosas para espalharem seus ramos e cres­cer. Os estudantes japoneses devem estar se sentindo da mesma forma perante seus professores.

(*) Texto de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Nova Visão do Japão como editorial do dia 10 de agosto de 1997.

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