Uma nota triste sobre a cidade da música (*)
A cidade de Hamamatsu é a maior na província de Shizuoka. Considerada a cidade da música, é aqui onde pode ser encontrada a maior população de brasileiros. Recentemente foi inaugurado um dos edifícios mais modernos do país, chamado de Act City, onde se concentram diversas lojas de departamentos e shopping centers.
Enquanto, lá dentro, vários cidadãos japoneses saboreiam as deliciosas iguarias oferecidas pelos diversos restaurantes espalhados pelo suntuoso prédio, a pouco menos de cem metros dali, na praça em frente à estação de trem da cidade, um grupo diferente de pessoas, embora também de cidadãos japoneses, estão com a barriga roncando e aguardam com ansiedade a visita de uma pessoa que irá matar a sua fome, pelo menos naquela noite de sábado. Embora essa pessoa esteja acompanhada de várias outras, elas não são, no entanto, o que poderíamos chamar de garçons ou garçonetes.
Homens e mulheres maltrapilhos com sorrisos amarelos e mãos estendidas emergem das marquises, de debaixo das pontes, por detrás das árvores ou dos bancos das praças à medida que o padre Evaristo Higa, da Pastoral Nipo-Brasileira, e seu grupo, fazem sua patrulha semanal. Eles são os homeless (sem-teto) esquecidos de Hamamatsu, para os quais o padre e seus voluntários distribuem nutritiva sopa de legumes em pratos descartáveis, onigiri (bolinho de arroz enrolado em alga) cuidadosamente embrulhados em plásticos e até bananas. "Este é um lado do Japão que até mesmo os japoneses geralmente desconhecem", diz o padre Higa. "Quando mostro para os meus amigos as fotos destas pessoas, acham que foram tiradas no Brasil ou outro país qualquer de terceiro mundo."
Os sem-teto japoneses, talvez por uma questão de honra pessoal, jamais esmolam pelas ruas ou chamam a atenção dos transeuntes. Alguns, no entanto, reviram os recipientes de lixo à procura de comida ou tocos de cigarro. A maioria dos passantes nem percebem a sua existência, a não ser quando se desviam ocasionalmente de uma caixa de papelão inconvenientemente colocada no passeio. Uma vez que não tem endereço fixo, eles não se enquadram no sistema de seguridade social do governo.
Mesmo na adversidade, os sem-teto, cujo número é calculado em 300 pessoas só em Hamamatsu, demonstram um forte senso de ordem tipicamente japonesa, apesar das condições de vida precárias. Alguns removem seus sapatos e os alinham na parte de fora da caixa de papelão onde dormem, como se a caixa fosse uma casa de verdade. Os sem-teto detém um grande orgulho. Eles são, geralmente, corteses e até passivos, nunca ameaçadores ou abusivos. Uns, percebe-se, sofrem possivelmente de algum distúrbio mental, o que os leva a rejeitar a comida oferecida alegando estar envenenada. Outros agem com certo orgulho perverso, desdenhando a oferta. Na verdade, eles acham estranho o fato deste trabalho filantrópico estar sendo feito por estrangeiros, no caso os brasileiros voluntários encabeçados pelo padre Higa.
A reação da maioria dos japoneses a esse trabalho é de surpresa e incompreensão. "A percepção geral é a de que o que estamos fazendo não é uma coisa boa. Os japoneses acham que alimentar estes pobres coitados os deixam acomodados, desencorajando-os de sair e procurar emprego", afirma o padre Higa. “Mas os sem-teto já estavam aqui antes de começarmos esse trabalho. Eles não trocaram um emprego por um prato de sopa”, garante.
Talvez por adotarem tal ponto de vista em relação aos sem-teto é que alguns japoneses agem de forma até desumana com eles. O padre Higa conta que alguns lojistas da região, antes de fecharem as portas depois do expediente normal de funcionamento, jogam água debaixo das escadas, bancos e qualquer outro lugar onde os sem-teto costumam dormir, numa tentativa de afastá-los para longe de suas lojas.
O trabalho do padre Higa e seus voluntários procura minimizar tais sofrimentos dos desabrigados. Tal trabalho começou há poucos meses, mas já envolve muitos membros da igreja católica de Hamamatsu, incluindo Fumiko Kawaguchi, esposa do gerente do Banco do Brasil local, Júlia Sezaki, coordenadora da HICE, fundação que presta ajuda a brasileiros e estrangeiros, além do jornalista Ken Shima.
Outras pessoas estão direta ou indiretamente envolvidas na distribuição de alimentos aos sem-teto, como Stevenson Sato e Marcelo Yoshimura, do Restaurante Bom Brasil, que emprestaram a cozinha do próprio restaurante para que Fumiko e Júlia pudessem cozinhar a sopa e o arroz, e até cedem alguns ingredientes. "Já que não podemos participar diretamente da distribuição, ficamos felizes em poder ajudar dessa forma", diz Stevenson. O padre Higa frisa, contudo: "Não estamos aqui para resolver os problemas dos sem-teto. Este é um problema dos japoneses. Simplesmente queremos mostrar às pessoas desabrigadas que elas ainda não estão esquecidas, que elas ainda pertencem à família humana”, completa o padre.
(*) Artigo de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Tudo Bem do Japão.
A cidade de Hamamatsu é a maior na província de Shizuoka. Considerada a cidade da música, é aqui onde pode ser encontrada a maior população de brasileiros. Recentemente foi inaugurado um dos edifícios mais modernos do país, chamado de Act City, onde se concentram diversas lojas de departamentos e shopping centers.
Enquanto, lá dentro, vários cidadãos japoneses saboreiam as deliciosas iguarias oferecidas pelos diversos restaurantes espalhados pelo suntuoso prédio, a pouco menos de cem metros dali, na praça em frente à estação de trem da cidade, um grupo diferente de pessoas, embora também de cidadãos japoneses, estão com a barriga roncando e aguardam com ansiedade a visita de uma pessoa que irá matar a sua fome, pelo menos naquela noite de sábado. Embora essa pessoa esteja acompanhada de várias outras, elas não são, no entanto, o que poderíamos chamar de garçons ou garçonetes.
Homens e mulheres maltrapilhos com sorrisos amarelos e mãos estendidas emergem das marquises, de debaixo das pontes, por detrás das árvores ou dos bancos das praças à medida que o padre Evaristo Higa, da Pastoral Nipo-Brasileira, e seu grupo, fazem sua patrulha semanal. Eles são os homeless (sem-teto) esquecidos de Hamamatsu, para os quais o padre e seus voluntários distribuem nutritiva sopa de legumes em pratos descartáveis, onigiri (bolinho de arroz enrolado em alga) cuidadosamente embrulhados em plásticos e até bananas. "Este é um lado do Japão que até mesmo os japoneses geralmente desconhecem", diz o padre Higa. "Quando mostro para os meus amigos as fotos destas pessoas, acham que foram tiradas no Brasil ou outro país qualquer de terceiro mundo."
Os sem-teto japoneses, talvez por uma questão de honra pessoal, jamais esmolam pelas ruas ou chamam a atenção dos transeuntes. Alguns, no entanto, reviram os recipientes de lixo à procura de comida ou tocos de cigarro. A maioria dos passantes nem percebem a sua existência, a não ser quando se desviam ocasionalmente de uma caixa de papelão inconvenientemente colocada no passeio. Uma vez que não tem endereço fixo, eles não se enquadram no sistema de seguridade social do governo.
Mesmo na adversidade, os sem-teto, cujo número é calculado em 300 pessoas só em Hamamatsu, demonstram um forte senso de ordem tipicamente japonesa, apesar das condições de vida precárias. Alguns removem seus sapatos e os alinham na parte de fora da caixa de papelão onde dormem, como se a caixa fosse uma casa de verdade. Os sem-teto detém um grande orgulho. Eles são, geralmente, corteses e até passivos, nunca ameaçadores ou abusivos. Uns, percebe-se, sofrem possivelmente de algum distúrbio mental, o que os leva a rejeitar a comida oferecida alegando estar envenenada. Outros agem com certo orgulho perverso, desdenhando a oferta. Na verdade, eles acham estranho o fato deste trabalho filantrópico estar sendo feito por estrangeiros, no caso os brasileiros voluntários encabeçados pelo padre Higa.
A reação da maioria dos japoneses a esse trabalho é de surpresa e incompreensão. "A percepção geral é a de que o que estamos fazendo não é uma coisa boa. Os japoneses acham que alimentar estes pobres coitados os deixam acomodados, desencorajando-os de sair e procurar emprego", afirma o padre Higa. “Mas os sem-teto já estavam aqui antes de começarmos esse trabalho. Eles não trocaram um emprego por um prato de sopa”, garante.
Talvez por adotarem tal ponto de vista em relação aos sem-teto é que alguns japoneses agem de forma até desumana com eles. O padre Higa conta que alguns lojistas da região, antes de fecharem as portas depois do expediente normal de funcionamento, jogam água debaixo das escadas, bancos e qualquer outro lugar onde os sem-teto costumam dormir, numa tentativa de afastá-los para longe de suas lojas.
O trabalho do padre Higa e seus voluntários procura minimizar tais sofrimentos dos desabrigados. Tal trabalho começou há poucos meses, mas já envolve muitos membros da igreja católica de Hamamatsu, incluindo Fumiko Kawaguchi, esposa do gerente do Banco do Brasil local, Júlia Sezaki, coordenadora da HICE, fundação que presta ajuda a brasileiros e estrangeiros, além do jornalista Ken Shima.
Outras pessoas estão direta ou indiretamente envolvidas na distribuição de alimentos aos sem-teto, como Stevenson Sato e Marcelo Yoshimura, do Restaurante Bom Brasil, que emprestaram a cozinha do próprio restaurante para que Fumiko e Júlia pudessem cozinhar a sopa e o arroz, e até cedem alguns ingredientes. "Já que não podemos participar diretamente da distribuição, ficamos felizes em poder ajudar dessa forma", diz Stevenson. O padre Higa frisa, contudo: "Não estamos aqui para resolver os problemas dos sem-teto. Este é um problema dos japoneses. Simplesmente queremos mostrar às pessoas desabrigadas que elas ainda não estão esquecidas, que elas ainda pertencem à família humana”, completa o padre.
(*) Artigo de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Tudo Bem do Japão.
1 Comments:
At 3:17 AM, Anonymous said…
Play Roulette online for real money at Lucky Club Casino
Roulette game consists of different rules, probabilities, probabilities, and probabilities. You can play online roulette without registration, or luckyclub.live just for fun!
Post a Comment
<< Home