Nippon... derando

Monday, September 04, 2006

Uma nota triste sobre a cidade da música (*)

A cidade de Hamamatsu é a maior na província de Shizuoka. Considerada a cidade da música, é aqui onde pode ser encontrada a maior população de brasileiros. Recentemente foi inaugurado um dos edifícios mais modernos do país, chamado de Act City, onde se concentram diversas lojas de departamentos e shopping centers.

Enquanto, lá dentro, vários cidadãos japoneses saboreiam as deliciosas iguarias oferecidas pelos diversos restaurantes espalhados pelo suntuoso prédio, a pouco menos de cem metros dali, na praça em frente à estação de trem da cidade, um grupo diferente de pessoas, embora também de cidadãos japoneses, es­tão com a barriga roncando e aguar­dam com ansiedade a visita de uma pessoa que irá matar a sua fome, pelo menos naquela noite de sábado. Embora essa pessoa esteja acompa­nhada de várias outras, elas não são, no entanto, o que poderíamos cha­mar de garçons ou garçonetes.

Homens e mulheres maltrapilhos com sorrisos amarelos e mãos esten­didas emergem das marquises, de debaixo das pontes, por detrás das árvo­res ou dos bancos das praças à medi­da que o padre Evaristo Higa, da Pastoral Nipo-Brasileira, e seu gru­po, fazem sua patrulha semanal. Eles são os homeless (sem-teto) esque­cidos de Hamamatsu, para os quais o padre e seus voluntários distribu­em nutritiva sopa de legumes em pratos descartáveis, onigiri (bolinho de arroz enrolado em alga) cuida­dosamente embrulhados em plásti­cos e até bananas. "Este é um lado do Japão que até mesmo os japoneses geralmente desconhecem", diz o padre Higa. "Quando mostro para os meus amigos as fotos destas pes­soas, acham que foram tiradas no Brasil ou outro país qualquer de terceiro mundo."

Os sem-teto japoneses, talvez por uma questão de honra pessoal, ja­mais esmolam pelas ruas ou cha­mam a atenção dos transeuntes. Al­guns, no entanto, reviram os recipi­entes de lixo à procura de comida ou tocos de cigarro. A maioria dos passantes nem percebem a sua exis­tência, a não ser quando se desviam ocasionalmente de uma caixa de papelão inconvenientemente colocada no passeio. Uma vez que não tem endereço fixo, eles não se enquadram no sistema de seguridade social do go­verno.

Mesmo na adversidade, os sem-teto, cujo número é calculado em 300 pesso­as só em Hamamatsu, demonstram um forte senso de ordem tipicamente japo­nesa, apesar das condições de vida precárias. Alguns removem seus sapatos e os alinham na parte de fora da caixa de papelão onde dormem, como se a caixa fosse uma casa de verdade. Os sem-teto detém um grande orgulho. Eles são, geralmente, corteses e até passivos, nunca ameaçadores ou abusivos. Uns, per­cebe-se, sofrem possivelmente de al­gum distúrbio mental, o que os leva a rejeitar a comida oferecida alegando estar envenena­da. Outros agem com certo orgu­lho perverso, desdenhando a oferta. Na ver­dade, eles acham estranho o fato deste tra­balho filantrópi­co estar sendo feito por estran­geiros, no caso os brasileiros voluntários en­cabeçados pelo padre Higa.

A reação da maioria dos ja­poneses a esse trabalho é de surpresa e incompreensão. "A percepção geral é a de que o que estamos fazendo não é uma coisa boa. Os japoneses acham que alimentar estes pobres coitados os dei­xam acomodados, desencorajando-os de sair e procurar emprego", afirma o padre Higa. “Mas os sem-teto já estavam aqui antes de começarmos esse trabalho. Eles não trocaram um emprego por um prato de sopa”, garante.

Talvez por adotarem tal ponto de vista em relação aos sem-teto é que alguns japoneses agem de forma até desumana com eles. O padre Higa conta que alguns lojistas da região, antes de fecharem as portas depois do expediente normal de funcionamen­to, jogam água debaixo das escadas, bancos e qualquer outro lugar onde os sem-teto costumam dormir, numa tentativa de afastá-los para longe de suas lojas.

O trabalho do padre Higa e seus voluntários procura minimizar tais sofrimentos dos desabrigados. Tal trabalho começou há poucos meses, mas já envolve muitos membros da igreja católica de Hamamatsu, inclu­indo Fumiko Kawaguchi, esposa do gerente do Banco do Brasil local, Júlia Sezaki, coordenadora da HICE, fundação que presta ajuda a brasilei­ros e estrangeiros, além do jornalista Ken Shima.

Outras pessoas estão direta ou indiretamente envolvidas na distri­buição de alimentos aos sem-teto, como Stevenson Sato e Marcelo Yo­shimura, do Restaurante Bom Brasil, que emprestaram a cozinha do pró­prio restaurante para que Fumiko e Júlia pudessem cozinhar a sopa e o arroz, e até cedem alguns ingredientes. "Já que não podemos participar diretamente da distribuição, ficamos felizes em poder ajudar dessa forma", diz Stevenson. O padre Higa frisa, contudo: "Não estamos aqui para resolver os proble­mas dos sem-teto. Este é um proble­ma dos japoneses. Simplesmente que­remos mostrar às pessoas desabriga­das que elas ainda não estão esqueci­das, que elas ainda pertencem à família humana”, completa o padre.

(*) Artigo de Levi F. Araújo publicado originalmente no jornal Tudo Bem do Japão.

1 Comments:

  • At 3:17 AM, Anonymous Anonymous said…

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